Zero Absoluto



Estou em silêncio.

É a inevitável dúvida na neblina que me cega,

A mudez que não cura meu estado penso.

Penso,

Se não saberei encantá-la com as palavras certas,

Como se ditas por nobres cavaleiros ou poetas,

Talvez melhor seja deixá-las quietas,

Repousando na paz do dicionário,

Pois meio a este barulhento cenário

Minha voz fraca não se faria ouvir.


Ando

Para este e outro lado,

Aqui e ali,

Velejo neste oceano conturbado

E o ouro sólido que não vou seduzir,

Rodeado por bandeiras de corsários

Que preparam o assalto ao meu tesouro

Sem dono,

Sozinho e belo no seu abandono,

Está com sono.


Boceja,

Cobrindo a boca com a mão

Penso que está prestes a ir embora

Mas ainda não chegou a hora

Ou seja:

Ação!

Inspiro fundo...

Expiro tudo...

E fico mudo...

Não mudo...

Cego e surdo...

Lamento ao mundo...

Mas nada muda.

É em vão!


De fato,

A coragem não se empresta a um fraco

Permaneço tenso, penso, torto e magro,

Como um vivo, morto e sepultado,

Eu vivo ouvindo vozes.

E morro imóvel como se uma hipnose

Mandasse-me sempre ficar calado


-Uma dose, por favor.

-Temos conhaque, rum

E vodka, senhor.

Qual deseja?

-Sirva-me qualquer um,

De qualquer cor,

Qual a despesa?

Apenas alguns centavos,

Um baque na mesa...

Dois... Três copos virados.

Sabores misturados.

Um feixe de cores

Com altos teores

Canalizados.


E quem estava sentado

Pula de peito

Mergulha feito

Um peixe

Alucinado!


Ando,

Até onde ela estava no sino da madrugada

Onde sozinha e sentada, tão angelical,

Era tão desejada,

Afinal,

Dois dos rapazes que mal se conheciam,

Conversavam sobre a bela moça que viram

Passar por ali a menos de uma hora.

Agora, a garota da meia noite

Já deve ter ido embora

E lá fora está muito frio.


Pergunto ao homem do bar,

Ele advertiu:


-Sim, eu vi a moça de quem me falas.

Acabou de sair de mãos dadas

Com o sujeito que vem sempre aqui

Contar histórias sobre flores raras

Às belas moças de vestes claras.

Esse rapaz tem bons modos

E promete jóias caras,

Decora as falas,

Brincando de conto de fadas,

Promessas falhas,

A inocência feminina coberta em brasas

Quer o refresco senhoril,

Mas o sujeito é vil

E as águas são rasas.

Elas acreditam nas palavras

Do conquistador patético e infantil

Conversa barata

Fogo de palha

Será por uma noite apenas, amada

Mas sempre amanhece

Como se nada existiu.


Que infantil, que nada!

De fato,

A inveja, sim, se empresta a um fraco

Ainda penso...

Como um vivo, morto e revoltado

Com altos teores,

Desperdiçados!


A porta de entrada

Ainda balança,

A carruagem envenenada

Avança

E minha loucura personificada

Parte diante de mim.

Próxima parada:

O beco sem fim,

Na rua abandonada.


Observo distante a situação.

Não estão me vendo.

O corsário estende a mão.

Não!

Ela aceita de bom grado

A oferta da perdição.

A princesa vai acorrentar sua alma

Com a alma de um ladrão.

Concedendo-lhe um beijo,

O pirata sente o tesouro alheio,

Desce a boca sobre um seio

E em meio às pernas, sobe a mão.

Com sons de entrega ao desejo,

Ela fecha os olhos, cheia de anseio

E eu fecho os meus de decepção.


(NOGUEIRA, André)


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